Indicado a melhor roteiro original e melhor ator coadjuvante, filme é dirigido, escrito e estrelado por Jesse Eisenberg. Kieran Culkin é um dos favoritos na categoria de atuação. Entre todos os filmes que se destacaram na temporada de premiações de 2024/2025, “A verdadeira dor”, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (30), chama a atenção por ser um dos mais simples. É curto, com apenas 90 minutos de duração, um elenco enxuto e uma história nada rocambolesca, como algumas produções mais recentes possuem.
Mas não se deve confundir sua simplicidade com superficialidade. Pelo contrário. Embora pareça não ter grandes ambições, o filme consegue seu objetivo de emocionar por tratar muito bem de temas profundos, como luto, perda, tristeza, amizade, empatia e cumplicidade de uma maneira honesta. Isso gera momentos tocantes e até mesmo divertidos que acabam por conquistar o púbico.
A trama gira em torno dos primos David (Jesse Eisenberg) e Benji Kaplan (Kieran Culkin), que buscam se reaproximar durante uma excursão pela Polônia para homenagear sua avó, que morreu.
Acompanhada de um grupo que vai passar por locais marcantes da Segunda Guerra Mundial, incluindo um campo de concentração, a dupla vive uma série de situações, ora cômicas, ora densas, e que acabam despertando antigos traumas familiares. Por causa deles, a viagem ganha um novo ponto de vista, que os leva a um acerto de contas sobre seus passados.
Assista ao trailer do filme “A verdadeira dor”
Diversão e caos
O grande mérito de “A verdadeira dor” é como o filme trabalha de forma sincera a relação entre seus protagonistas. O principal responsável por isso é o roteiro, escrito pelo ator Eisenberg, que também estrela e dirige o longa.
Eisenberg, em sua segunda experiência como diretor e roteirista de longas (a anterior foi em “Quando você terminar de salvar o mundo”, de 2022), foi lembrado no Oscar 2025 e concorre na categoria de Melhor Roteiro Original por seu trabalho neste filme. Ele tem sensibilidade para mostrar eficiência no contraste entre David e Benji. Os dois, mesmo sendo tão diferentes, se dão muito bem e mostram que se importam um com o outro.
Assim, o cineasta/escritor (e também produtor) desenvolve de maneira apropriada como os dois personagens têm comportamentos distintos e bem interessantes. Enquanto David se mostra mais contido e preocupado em ter as coisas em ordem, Benji não se importa em ser mais impulsivo e imprevisível.
Por isso, os dois protagonizam sequências onde o riso acontece facilmente, como na cena em que Benji convence os participantes da excursão a fazer poses inusitadas diante de um monumento para veteranos, o que deixa David constrangido.
Mas a dupla também é responsável por momentos tocantes, como quando o personagem de Culkin explode durante um jantar e expõe suas fraquezas e traumas a todos. É uma cena tocante, conduzida de forma apropriada por Eisenberg.
Grupo de turistas participa de uma excursão pela Polônia em busca do passado em ‘A verdadeira dor’
Divulgação
O filme também ganha pontos ao levar o público a conhecer um pouco mais sobre a história da Polônia. Com um bom trabalho do diretor de fotografia polonês Michał Dymek, “A verdadeira dor” mostra belas imagens do país, não só de pontos turísticos importantes, mas também de paisagens, casas simples e locais públicos que ajudam a contar a trama.
Além disso, há um momento crucial do filme quando os personagens chegam a Auschwitz, o maior dos campos de concentração da Segunda Guerra, que desperta emoções fortes não só no grupo da excursão, mas também no espectador.
O único porém é que a montagem do filme não é tão refinada e comete alguns erros na continuidade e também na escolha de alguns planos de imagem. Um exemplo está justamente numa cena em Auschwitz, que poderia render ainda mais se mostrasse a emoção dos personagens diante de um local importante no campo de concentração. Ao invés disso, corta logo para outro momento, tirando a força e o impacto que o momento exigia.
Vale destacar também que a trilha sonora é recheada de peças ao piano compostas por Frédéric Chopin, músico polonês que é considerado um dos maiores compositores da história. A ideia é curiosa, porém eficiente, e ajuda também na ambientação do filme.
David (Jesse Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) se divertem durante viagem de trem em ‘A veradeira dor’
Divulgação
Um estranho casal
Mas o verdadeiro diferencial de “A verdadeira dor” é a bem construída relação entre os protagonistas, que ganha mais camadas e profundidade graças a boa atuação de Culkin.
O ator era mais conhecido como um dos irmãos de Macaulay Culkin, de “Esqueceram de Mim”, quando criança. Mas levou sua carreira adiante e já deu diversas provas de seu talento. Depois de se destacar na premiada e cultuada série “Succession”, Kieran volta a brilhar em “A verdadeira dor” como o divertido, porém instável Benji.
Ele rouba todas as cenas em que aparece, a ponto de ser mais protagonista do que seu diretor/roteirista. Com uma atuação vibrante e intensa, Culkin é responsável pelos momentos mais engraçados e também mais profundos do filme.
Um bom exemplo disso está na sequência em que confronta o guia de sua excursão e pede por mais respeito e menos dados e informação sobre a passagem do grupo por um cemitério de judeus vítimas da guerra.
David (Jesse Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) tentam se reconectar em ‘A veradeira dor’
Divulgação
A cena, embora tensa, funciona ao causar reflexão no público graças à performance de Culkin. Por todas essas nuances, ele tem ganho diversos prêmios, como o Globo de Ouro, e tem grandes chances de levar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
Já Jesse Eisenberg, embora mostre uma ótima química com Culkin, repete seus maneirismos que já se tornaram bastante conhecidos, como gesticular muito e falar rapidamente. Não muito diferente de quando viveu o dono do Facebook, Mark Zuckerberg, em “A Rede Social” (que acabou lhe rendendo uma indicação ao Oscar de Melhor Ator em 2011), ou quando interpretou o vilão Lex Luthor de “Batman vs Superman”.
Embora repetitivo, Eisenberg não compromete seu próprio projeto e mostra que é melhor diretor e roteirista do que ator. Pelo menos, ele parece não se incomodar em ser “escada” para que Culkin possa brilhar e chamar toda a atenção para si. O restante do elenco, que inclui Jennifer Grey, do cult da Sessão da Tarde “Dirty Dancing”, está bem correto e adequado, mas sabe que está ali apenas para servir aos protagonistas.
Com um desfecho bastante sincero em relação aos problemas que todas as pessoas têm, pelo menos em alguma fase da vida, “A verdadeira dor” cumpre o objetivo de entreter e, ao mesmo tempo, fazer o público pensar em questões complexas e delicadas. Não é pouco para um filme que parece despretensioso, mas que na verdade tem muito a dizer para quem for vê-lo no cinema.
Cartela resenha crítica g1
g1
-30 de janeiro de 2025